Pular para o conteúdo principal

O filho do outro

Rio de Janeiro, 20 de Maio de 2024.


Filho,


Estou preparando a minha viagem até Minas Gerais enquanto finalizo esta carta. Pensei em escrever para você porque amanheci me preparando para um evento que acontecerá no próximo sábado, dia 25. Essa preparação e a própria facilitação do evento me lembram você.


Após três anos impossibilitado de ver você, eu suspeitei que eu pudesse me encontrar com o menino que eu sempre amei, mas muito diferente daquele que eu vi no passado. Por essa razão, eu me preparei profundamente. Havia duas necessidades especiais de preparação. 


A primeira necessidade era me preparar para enfrentar a mim mesmo. Afinal, seu pai também havia mudado e estava sofrendo. Eu pensei que seria difícil enfrentar os seus sentimentos, mas eu não sabia que seria tão difícil. Eu entendia que você estaria bastante confuso, mas eu não sabia que seria tão desafiador. De qualquer forma, eu me preparei para ser o seu pai: da forma como você precisava e da melhor forma que eu pudesse ser. Eu me preparei para enfrentar os meus próprios sentimentos conflituosos neste momento em que nós dois estivéssemos juntos, no "dia da rapaziada", ou melhor: "minutos da rapaziada".




A segunda necessidade era me preparar para você. Você estaria sofrendo e sujeito a muitas incertezas. Eu devia continuar a ser paciente, resiliente e acolhedor com aquele adolescente que eu acabara de conhecer. Filhos não têm manual. Nenhum filho. Eu me senti obrigado a entender o máximo sobre como crianças e adolescentes se sentem quando ficam distantes de seus pais, seja por sequestro, seja por guerras, não importava o motivo. Eu quis conhecer para tentar entender você, meu filho.


Sinto-me bastante feliz quando consigo capacitar um pai ou mãe para este reencontro, meu menino. Especialmente quando os vejo tão confiantes, se saindo bem, encontrando alegrias com suas crianças e adolescentes. Também me sinto realizado quando uso tudo o que aprendi com outras famílias, prevenindo ou mitigando os efeitos trágicos que a vida traz para algumas pessoas. 


Porém, me sinto bastante confuso em nosso caso particular.


Eu me sinto bastante inseguro sobre como eu posso proporcionar afeto e alcançar o seu afeto em apenas 30 minutos semanais (e olhe lá, pois nem sempre temos o tempo completo!). Ao mesmo tempo, eu me sinto bastante ansioso quando assisto o nosso movimento ser quase todo desconstruído de uma semana para outra. É o momento em que eu mais preciso conhecer os meus sentimentos por você.


Penso que se eu não sentisse o que sinto e não conseguisse reconhecer o nosso amor, todo o nosso movimento de convivência seria mais difícil, filho. Entretanto, estou atento para qualquer fala ou sinal seu. Qualquer um. Pois eu tentarei compreender o que você pensa e sente para ser um pai adequado. Aliás, para ser seu pai. Pois simplesmente ser pai, mesmo que inadequado, está difícil.


A nossa história está me ensinando muitas coisas, meu menino. Estou aprendendo sobre outros pais, outras mães, outras crianças, outras e outros adolescentes. E sem que você perceba, a nossa história também está ensinando algo para você. Você próprio deve estar sujeito a muitas oportunidades de aprendizado. Fico bastante curioso sobre o que você fará com esse conhecimento no futuro.


Ainda assim, continua frustrante que o meu próprio filho esteja distante. Só não é mais frustrante porque talvez alguma filha ou algum filho que você tenha no futuro, minha neta ou neto, conte com uma oportunidade melhor. Uma sorte maior.


Entretanto, eu me sinto bem não porque tenho esperança em neta e neto. A minha sorte é que o filho do outro já nasceu. Facilitarei um evento no sábado, meu menino. Dentre outras coisas, é neste tipo de contribuição que encontrei muita paz.


Por um lado, eu não sei se o meu aprendizado ajudou a sua vida. Não sei como avaliar se isso ajudou, ajuda ou ajudará você. Não tenho como concluir nada.


Por outro lado, eu sei que ajudou outras pessoas. E está funcionando para mim. Que sorte! Eu até torço que funcione para você também. Senão, infelizmente, não há muita coisa que eu possa fazer por você. Só há o que eu posso fazer pelo filho do outro, pela filha do outro. E está tudo bem por enquanto. Está tudo bem, meu menino.


Abraço paterno,

Do seu pai.


Cartas do Meu Pai, Carta 4.

Comentários